Passar da teoria à ação, mais tempo com os doentes e proporcionar uma experiência melhorada nas unidades de saúde desde o atendimento, à eficiência e às infraestruturas. Foi este o apelo que saiu da conferência anual da Plataforma Saúde em Diálogo, que decorreu na passada quinta-feira, 31 de outubro, em Lisboa, dedicada ao tema “Humanização da Saúde: Um Caminho Para um Sistema mais Sustentável”, juntando associações de pessoas que vivem com doença, utentes e profissionais de saúde e administradores hospitalares.
O evento decorreu no auditório da PLMJ, em Lisboa, numa discussão profícua sobre os desafios e ações a tomar para se alcançar uma saúde mais humanizada.
Jaime Melancia, presidente da Plataforma Saúde em Diálogo, deu o mote para a discussão, referindo que “a evidência científica tem demonstrado os efeitos positivos da empatia e da compaixão nos cuidados de saúde a vários níveis: desde o nível clínico, à satisfação do doente, à maior segurança e qualidade dos cuidados prestados, à maior adesão à terapêutica, passando pela diminuição nas readmissões hospitalares e diminuição dos custos, à maior confiança nas instituições e a uma maior satisfação dos profissionais de saúde e consequente diminuição de burnout”.
“Tudo isto se traduz em valor em saúde para o sistema, contribuindo para a sua sustentabilidade e, por isso mesmo, a humanização deveria ser incluída nas variáveis a ponderar na contratualização e na avaliação dos resultados em saúde das instituições”, disse.
Já Fernando Regateiro, presidente da Comissão Nacional para a Humanização dos Cuidados de Saúde no SNS, fez um balanço positivo dos trabalhos desta Comissão que se iniciaram em março deste ano, e anunciou que será publicado, nos próximos meses, um livro que reúne as boas práticas de humanização de 20 unidades locais de saúde (ULS), apresentadas em julho, no primeiro seminário desta comissão, e que ficará disponível para toda a comunidade de saúde.
“A humanização acrescenta e ganha em qualidade se tiver bons exemplos. Todos nós somos pilares para a humanização. Só é possível mudar atitudes através dos exemplos externos”, defendeu.
Victor Ramos lançou depois as bases para a discussão que se seguiu sobre como promover uma verdadeira cultura de humanização na saúde. O Presidente do Conselho Nacional de Saúde destacou três pilares instrumentais para a promoção dessa cultura de humanização: a partilha de informação em saúde, promoção da participação cidadã e a medição sistemática da experiência e dos resultados percecionados pelos doentes, destacando ainda a avaliação dos dirigentes e a formação contínua dos profissionais de saúde, como instrumentos auxiliares fundamentais para se alcançar esse desígnio.
Na mesa-redonda, Xavier Barreto, Presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, considerou que “a empatia é o grande desafio na humanização dos cuidados de saúde” e criticou a falta de incentivos para se fazer uma avaliação rigorosa da satisfação dos doentes em relação aos cuidados que lhes são prestados: “Temos de criar incentivos financeiros específicos para que isso aconteça”.
Já Susana Magalhães, Coordenadora da Unidade de Conduta Responsável na Investigação no i3S – Universidade do Porto, defendeu a criação de “espaços seguros para a partilha entre profissionais de saúde e doentes”, sublinhando a importância da medicina narrativa na forma como os médicos se relacionam com os doentes.
Catarina Alvarez, Psicóloga da Associação Alzheimer Portugal, referiu que “a humanização ainda não é uma prioridade em Portugal” e que “é preciso dar voz aos doentes”.
“Queremos sistematização e concretização. Que todos em todo o lado tenham o mesmo tipo de acesso a cuidados humanizados. Se há serviços que já o fazem, todos têm de conseguir fazê-lo”, alertou.
Por seu turno, João Pedroso de Lima, médico e fundador do Movimento Humanizar a Saúde em Coimbra, considerou que “a reaproximação da medicina às humanidades está a intensificar-se”, defendendo uma maior promoção da formação em empatia e comunicação para os profissionais de saúde.
“Uma coisa é ser licenciado em medicina e outra é ser médico. Aprendemos a ser médicos à medida que o tempo nos vai aproximando da vida real das pessoas”, disse.
O comentário final ficou a cargo de Maria de Belém Roseira, ex-ministra da Saúde, que exortou os profissionais de saúde a ouvirem o doente e a procurarem compreender o contexto que o envolve.
“Ouvir o doente pressupõe ir à procura das suas determinantes sociais. É diferente ouvir uma pessoa cujo percurso de vida não constituiu uma pressão causadora de doença, ou uma pessoa que sempre teve de contar dinheiro para fazer face às despesas, que não consegue aquecer a sua casa. Isso faz toda a diferença.”
Maria de Belém Roseira defendeu, ainda, “melhores metodologias de trabalho, mais tempo para os médicos falarem com as pessoas”, bem como “aliviá-los de um conjunto de tarefas que não acrescentam valor”.
A conferência contou, ainda, com as intervenções de Eduardo Nogueira Pinto, Sócio e Coordenador da área da Saúde, Ciências da Vida e Farmacêutica, PLMJ, e de Rosário Zincke, presidente da Mesa da Assembleia Geral da Plataforma Saúde em Diálogo, que reforçaram o apelo a uma cultura de humanização que permita ouvir o doente para melhorar a sua experiência no sistema de saúde.