Os adultos que vivem com atrofia muscular espinhal em Portugal têm de percorrer longas distâncias para ir a consultas com especialistas na doença e têm dificuldades em encontrar fisioterapeutas com formação específica.
Estes são alguns dos pontos negativos do relatório europeu que avalia a forma como são prestados cuidados a adultos com atrofia muscular espinhal (AME) em 22 países europeus.
Contudo, dos 19 indicadores avaliados, Portugal tem 9 classificados como razoáveis, 5 que são positivos e outros cinco considerados “nada bons”.
“É desanimador ver adultos que vivem com AME terem de passar por múltiplas visitas hospitalares para se encontrarem com diferentes especialistas, sendo que alguns deles chegam a viajar 400 quilómetros de cada vez”, refere uma representante da Associação Portuguesa de Neuromusculares (APN) que participou na avaliação feita pela SMA (Spinal Muscular Atrophy) Europe.
Como pontos positivos, o relatório indica que um adulto com AME tem acesso gratuito a “quase todos os serviços de saúde de que possa necessitar”, assim como a ”todos os dispositivos e equipamentos assistenciais que sejam prescritos pelos seus médicos para assistência em casa, no local de trabalho ou de mobilidade.” Tem também “acesso a terapêuticas modificadoras da doença” independentemente da sua idade ou tipo de AME.
Em relação aos 19 indicadores especificamente avaliados, Portugal teve nota “boa” precisamente no acesso a terapêuticas, na continuidade dos cuidados, no reembolso de consultas com profissionais de saúde, no apoio social para a educação e emprego e ainda nos assistentes pessoais/profissionais.
No entanto, o relatório sublinha que se os adultos com AME não preencherem os critérios para ser elegíveis para aceder a assistentes pessoais com formação específica, os seus principais cuidadores “tendem a ser familiares próximos, que continuam sem apoio significativo por parte do governo”.
Aliás, o ponto dos cuidadores informais é um dos cinco indicadores considerados “nada bons”, em conjunto com o financiamento público de organizações de doentes e políticas de doenças raras, cuidados multidisciplinares, navegação no sistema de saúde e orientações de tratamento.
No campo dos indicadores avaliados como “razoáveis”, surge a transição dos cuidados pediátricos para os cuidados de adultos, o acesso a centros de tratamentos de AME, o registo de doentes a nível nacional ou o suporte a dispositivos e equipamentos assistenciais que são fundamentais para os doentes.
O relatório sobre o desempenho de Portugal nos cuidados prestados a adultos com AME vai ser apresentado no sábado numa Conferência em Lisboa.
A Conferência “Cuidar em Sociedade na Atrofia Muscular Espinhal (AME) 2024” é promovida pela APN, pela Sociedade Portuguesa de Estudos de Doenças Neuromusculares e pela Roche.
Na Conferência, o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) irá ainda apresentar um balanço do rastreio neonatal (teste do pezinho) em relação à atrofia muscular espinhal.
O estudo piloto que incluiu a AME no teste do pezinho começou em outubro de 2022. Ainda nesse ano, o rastreio neonatal permitiu detetar um caso de atrofia muscular espinhal. Em 2023 foram detetados seis casos, segundo dados oficiais do INSA.
O rastreio neonatal é considerado essencial para permitir o tratamento dos doentes desde o nascimento, mesmo nos casos em que a doença só se manifesta mais tarde. Quanto mais cedo for o diagnóstico, mais rapidamente pode ser travada a progressão da doença, melhorando a qualidade de vida e, nas formas mais graves, evitando até mortes tão precoces.
A Atrofia Muscular Espinhal é uma doença genética rara, progressiva, que retira força física às pessoas, podendo afetar a capacidade de andar, comer e até de falar. Apesar de rara, é a principal causa genética de morte em bebés. É sobretudo diagnosticada durante a infância, mas pode afetar pessoas com qualquer idade.
Em 2019, a prevalência da AME em Portugal foi estimada em 147 doentes: 18 com tipo 1, 46 com tipo 2 e 83 com tipo 3.
“A realização desta segunda conferência, sobre a importância e o valor que deve ser atribuído ao conjunto de cuidados de que necessitam as pessoas afetadas pela Atrofia Muscular Espinhal, e a proteção que é devida às suas famílias, também pretende demonstrar a importância crescente do papel das organizações que as representam, que as defendem e que têm conseguido dar relevo à evolução da ciência e às suas implicações sociais”, afirma Joaquim Brites, Presidente da APN.
“Esta conferência é um momento de reflexão e debate sobre o caminho já percorrido e aquele a percorrer na jornada do melhor cuidado das pessoas com AME. Com a participação de intervenientes envolvidos a diversos níveis na abordagem da AME, esperamos uma visão abrangente do cuidado em sociedade nesta doença”, destaca Luís Braz, neurologista e membro da Direção da Sociedade Portuguesa de Estudos de Doenças Neuromusculares.