Quando procuramos conhecer a origem dos fenómenos esbarramos, quase sempre, com lendas e mitos. Sempre é uma forma muito humana de cunhar o nascimento de algo e localizá-lo na nossa lenta, complexa e longa evolução.
O vinho deve ter “nascido” lá para as bandas da Ásia Menor, já que as uvas selvagens são apreciadoras do clima mediterrânico. Mas o melhor é atribuir o seu nascimento ao lendário rei persa, Jamshheed, que gostava de comer uvas todo o ano. Para o efeito eram armazenadas em jarras, potes ou tonéis, enfim, num qualquer contentor da época.
Um dia, as uvas retiradas de um desses potes estavam amargas, além da presença de um líquido com estranho aroma. Foi considerado como veneno. Uma das jovens da corte, concubina ou esposa, tudo depende da versão escolhida, dada à tristeza e à depressão, resolveu aproveitar o tal líquido classificado como veneno para por fim à vida. E se assim pensou, melhor o fez. Ao consumir o líquido começou a sentir-se feliz e bem-disposta, não obstante ter bebido tamanha quantidade, já que acabou por “adormecer”. Ao amanhecer, sentiu-se diferente e comunicou ao rei os poderes de cura de tão milagroso líquido – presumo que os efeitos da ressaca não a deverão ter incomodado muito! O rei experimentou, gostou, deu a beber aos seus súbditos e proclamou o dito como “medicamento real”.
Assim nasceu o vinho! Como um medicamento que evitou um suicídio! Nada melhor para fazer a sua entrada na vida dos homens.
Mas a história deverá ter sido outra, não tão “poética”!
Existem elementos que provam a produção rudimentar de vinho no neolítico. Neste período há indícios de “cozinhas” e de vários utensílios que provam o armazenamento de grãos e de vinho. A produção de bebidas alcoólicas não se cingia apenas a este último, já que há, também, evidências de cerveja.
A revolução culinária deste período deverá ter dado origem à nouvelle cuisine neolítica. À noite debicariam os diferentes pratos acompanhados de um tinto, cuja qualidade desconhecemos, mas que ingerido em excesso não deixaria de provocar alguns conflitos. De qualquer modo as ressacas neolíticas não deveriam ser muito diferentes das de hoje, e as complicações sociais e familiares do abuso também não. Transformar um “medicamento” num “veneno” social e biológico é típico dos homens…
SALVADOR MASSANO CARDOSO
Professor Catedrático
Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra