Uma investigadora do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) da Universidade do Porto integra um projeto europeu que vai receber 10 milhões de euros da Comissão Europeia para estudar doenças autoimunes.
Em declarações à agência Lusa, a investigadora Salomé Pinho afirmou hoje que este é um projeto de “sinergias” entre os diferentes investigadores e que o mesmo visa “tentar desvendar uma questão clínica premente e urgente”: a causa para a perda de tolerância imunológica que caracteriza um elevado número de doenças autoimunes.
As doenças autoimunes são doenças crónicas e debilitantes, podendo, em alguns casos, ser incuráveis e de elevada incidência como a Artrite Reumatoide, Lúpus Eritematoso Sistémico, diabetes juvenil (tipo 1), Doença Inflamatória Intestinal e Esclerose Múltipla.
A tolerância imunológica é responsável por manter o sistema imunitário equilibrado, “atacando” os agentes invasores e não reagindo contra os próprios órgãos, tecidos ou células, mas quando esta tolerância se perde, o sistema imunológico “reage de forma descontrolada e exagerada, podendo causar algum tipo de doença autoimune”. É precisamente no que provoca a perda de tolerância do sistema imune e nos momentos-chave em que tal acontece que os investigadores se vão focar.
“O nosso sistema imunológico tem como principal objetivo proteger-nos e atacar os agentes patogénicos e infecciosos, mas a dada altura, por alguma razão que ainda é desconhecida, existe incapacidade das nossas células do sistema imunitário de distinguir o próprio do não próprio e, de forma súbita, começam a atacar o nosso organismo”, esclareceu Salomé Pinho, líder do grupo “Immunology, Cancer & GlycoMedicine” do i3S.
Nesse sentido, ao longo dos próximos seis anos, os investigadores vão usar como modelo de doença autoimune a Artrite Reumatoide, para tentar perceber a “causa para a perda de tolerância imunológica”, nomeadamente, “quando, onde e porquê”.
“Vamos estudar um mecanismo específico que são os glicanos, que consideramos a chave e o interruptor para esta perda de tolerância”, disse, esclarecendo que esse interruptor pode estar nos glicanos (açucares) presentes nas células B (linfócitos – células do sistema imunitário que atuam na resposta inflamatória).
“As nossas evidências preliminares mostram que indivíduos que mais tarde desenvolveram a Artrite Reumatoide começaram por ter uma modificação do glicano nos linfócitos B”, salientou Salomé Pinho, doutorada em Ciências Biomédicas pelo Instituto de Ciências Abel Salazar (ICBAS).
Destacando que o projeto vai “completar o ciclo”, debruçando-se desde a molécula ao doente, Salomé Pinho esclareceu que vão ser usadas abordagens fundamentais, mas também modelos animais e amostras de doentes com Artrite Reumatoide.
Designado “GlycanSwitch”, o projeto recebeu uma bolsa ‘European Research Council (ERC) Synergy Grant’, atribuída pela Comissão Europeia no valor de 10 milhões de euros. Além de Salomé Pinho, o projeto conta com dois cientistas do Centro Médico Universitário de Leiden (Países Baixos) e um investigador da empresa Genos e da Universidade de Zagreb (Croácia).
As diferentes tarefas levadas a cabo no projeto vão “depender” de todos os parceiros, sendo que o i3S será responsável pela aplicação e desenvolvimento de modelos celulares e moleculares, assim como pela experimentação animal.
À Lusa, Salomé Pinho, também docente da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e do ICBAS, salientou que o objetivo final do projeto é contribuir para a literatura, “identificando um mecanismo causador da perda de tolerância imunológica”.
Identificado esse mecanismo, tal pode vir a traduzir-se num “biomarcador de diagnóstico precoce e uma nova estratégia terapêutica de interromper essa mudança de resposta”.
Ainda que a investigação se dedique à Artrite Reumatoide, os resultados do projeto vão ser aplicados noutras doenças autoimunes.
Salientando que esta é a terceira vez que é atribuída uma ERC Synergy Grant a um investigador português, Salomé Pinho afirmou que a mesma permite “atingir o expoente máximo do reconhecimento mundial da excelência da investigação e da ciência” desenvolvida.
Mais do que um reconhecimento individual, a investigadora reconheceu que esta ERC representa “o reconhecimento coletivo do mérito da equipa”, em particular, do instituto da Universidade do Porto.