VINHO E CIVILIZAÇÕES
Não há civilização que se preze que não tenha a sua própria atitude e história em termos de produção e de consumo de bebidas alcoólicas.
Gregos, romanos babilónios, persas, hindus, egípcios, entre outros, fazem referências ao vinho, às suas virtudes e aos seus efeitos, realçando as suas propriedades na arte, na literatura e nos mais diversos eventos.
Tal foi, e é, a importância do vinho que, até, teve direito a atributos divinos personificados em Dionísio ou em Baco, para não falar no simbolismo cristão e uso na Eucaristia ou nas múltiplas referências bíblicas que vão desde a bebedeira monumental de Noé à transformação de água em vinho por Cristo, passando por símbolo de prosperidade ou mesmo o seu uso como remédio, na perspectiva de São Paulo ao recomendar a Timóteo para beber um pouco de vinho às refeições para não ficar fraco de estômago e com dor de cabeça (Primeira carta a Timóteo 5,23).
A difusão da cristandade acompanhou-se da divulgação do vinho, tornando-se numa forma própria de estilo de vida mediterrânica. Para o efeito, algumas ordens monásticas deram um contributo notável.
O comércio floresceu de tal forma que culminou numa das mais lucrativas actividades humanas. Na Inglaterra, sob o reinado de Isabel I, além da ingestão já generosa de cidra e de cerveja, consumiam-se, anualmente, mais de 40 milhões de garrafas de vinho, para uma população de pouco mais de 6 milhões!
CERVEJA
Falar de bebidas alcoólicas e só falar de vinho seria uma heresia imperdoável.
A Suméria é considerada como berço da civilização, mas também é a fonte da cerveja, ao ponto de consagrar uma deusa a esta bebida: Ninkasi!
Há cerca de 4.000 anos, um provável apreciador de cerveja escreveu um poema homenageando Ninkasi que, afinal, parece ser também uma receita para a sua produção. Desde então, é raro o povo que não se tenha tornado “ninkasiano”.
Há quem afirme que é a bebida alcoólica mais antiga desenvolvida pelo homem. De qualquer modo, foi considerada durante muito tempo como o pão dos pobres e uma forma eficaz de evitar o consumo de águas inquinadas. Apesar de hoje, nos países ocidentais, não faltar pão e a água ter deixado de ser veículo de infecções, os seres humanos continuam a idolatrar de forma intensa, particularmente durante as festividades, em certas épocas do ano, a deusa Ninkasi. O consumo da “bebida da felicidade” não pára, nem para lá caminha…
VINHO E ALIMENTO
Um dos aspectos mais controversos tem a ver com o consumo de álcool. Os seres humanos, assim como outras espécies têm capacidade para metabolizar o álcool. Numa perspectiva evolucionista, alguns autores realçam o impacto de pequenas quantidades de etanol em determinadas épocas do ano.
A fermentação natural origina o aparecimento de etanol nos frutos, mas numa concentração inferior a um por cento. Alem de eventuais mecanismos de dispersão, estratégia assumida pelas árvores de fruto, ao maximizarem a sua dispersão, e “utilizando” o álcool como atractivo, em termos de sabor e de odor, é admitido que, face às carências alimentares, os seres vivos não podiam desperdiçar o seu uso.
Ao longo dos últimos 40 milhões de anos as vantagens na utilização de frutos estão bem documentadas, o que significa que a evolução favoreceu os produtores e consumidores de álcool.
Quanto ao papel benéfico, em termos fisiológicos, do álcool, defendido por Duddley, ao diminuir as doenças cardiovasculares e ao aumentar a esperança de vida não parece ser minimamente convincente, porque naquelas eras estes problemas não se punham, como é óbvio, já que as doenças cardiovasculares se manifestam, habitualmente, a partir de uma idade que os nossos antepassados nem “sonhavam” que era possível alcançar.
O facto do álcool ocorrer naturalmente em determinadas épocas do ano, mas em pequenas concentrações, e ter um papel nutritivo indiscutível face aos regimes alimentares então praticados, parece ser interessante, justificando o seu uso. Actualmente, esta posição encontra-se “desvirtuada” face à facilidade com que se retira uma garrafa de bebida com álcool de uma qualquer prateleira de um qualquer supermercado!
Tal como tem sido demonstrado em muitas outras áreas, as vantagens selectivas, em termos de adaptação, do consumo de etanol acabaram – para muitos seres humanos – por tornar-se desvantajosa.
SALVADOR MASSANO CARDOSO